domingo, 17 de junho de 2012

Outros poetas românticos brasileiros


    Amor e Medo
    Quando eu te vejo e me desvio cauto
    Da luz de fogo que te cerca, ó bela,
    Contigo dizes, suspirando amores:
    — "Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!"

    Como te enganas! meu amor, é chama
    Que se alimenta no voraz segredo,
    E se te fujo é que te adoro louco...
    És bela — eu moço; tens amor, eu — medo...

    Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
    Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes.
    Das folhas secas, do chorar das fontes,
    Das horas longas a correr velozes.

    O véu da noite me atormenta em dores
    A luz da aurora me enternece os seios,
    E ao vento fresco do cair das tardes,
    Eu me estremece de cruéis receios.

    É que esse vento que na várzea — ao longe,
    Do colmo o fumo caprichoso ondeia,
    Soprando um dia tornaria incêndio
    A chama viva que teu riso ateia!

    Ai! se abrasado crepitasse o cedro,
    Cedendo ao raio que a tormenta envia:
    Diz: — que seria da plantinha humilde,
    Que à sombra dela tão feliz crescia?

    A labareda que se enrosca ao tronco
    Torrara a planta qual queimara o galho
    E a pobre nunca reviver pudera.
    Chovesse embora paternal orvalho!

    Ai! se te visse no calor da sesta,
    A mão tremente no calor das tuas,
    Amarrotado o teu vestido branco,
    Soltos cabelos nas espáduas nuas! ...

    Ai! se eu te visse, Madalena pura,
    Sobre o veludo reclinada a meio,
    Olhos cerrados na volúpia doce,
    Os braços frouxos — palpitante o seio!...

    Ai! se eu te visse em languidez sublime,
    Na face as rosas virginais do pejo,
    Trêmula a fala, a protestar baixinho...
    Vermelha a boca, soluçando um beijo!...

    Diz: — que seria da pureza de anjo,
    Das vestes alvas, do candor das asas?
    Tu te queimaras, a pisar descalça,
    Criança louca — sobre um chão de brasas!

    No fogo vivo eu me abrasara inteiro!
    Ébrio e sedento na fugaz vertigem,
    Vil, machucara com meu dedo impuro
    As pobres flores da grinalda virgem!

    Vampiro infame, eu sorveria em beijos
    Toda a inocência que teu lábio encerra,
    E tu serias no lascivo abraço,
    Anjo enlodado nos pauis da terra.

    Depois... desperta no febril delírio,
    — Olhos pisados — como um vão lamento,
    Tu perguntaras: que é da minha coroa?...
    Eu te diria: desfolhou-a o vento!...

    Oh! não me chames coração de gelo!
    Bem vês: traí-me no fatal segredo.
    Se de ti fujo é que te adoro e muito!
    És bela — eu moço; tens amor, eu — medo!...

                                                                              Casimiro de Abreu 

Morte (Hora de Delírio)
Pensamento gentil de paz eterna
Amiga morte, vem. Tu és o termo
De dous fantasmas que a existência formam,
— Dessa alma vã e desse corpo enfermo.

Pensamento gentil de paz eterna,
Amiga morte, vem. Tu és o nada,
Tu és a ausência das moções da vida,
do prazer que nos custa a dor passada.

Pensamento gentil de paz eterna
Amiga morte, vem. Tu és apenas
A visão mais real das que nos cercam,
Que nos extingues as visões terrenas.

Nunca temi tua destra,
Não vou o vulgo profano;
Nunca pensei que teu braço
Brande um punhal sobr'humano.

Nunca julguei-te em meus sonhos
Um esqueleto mirrado;
Nunca dei-te, pra voares,
Terrível ginete alado.

Nunca te dei uma foice
Dura, fina e recurvada;
Nunca chamei-te inimiga,
Ímpia, cruel, ou culpada.

Amei-te sempre: — pertencer-te quero
Para sempre também, amiga morte.
Quero o chão, quero a terra, - esse elemento
Que não se sente dos vaivens da sorte.

Para tua hecatombe de um segundo
Não falta alguém? — Preencha-a comigo:
Leva-me à região da paz horrenda,
Leva-me ao nada, leva-me contigo.

Miríades de vermes lá me esperam
Para nascer de meu fermento ainda,
Para nutrir-se de meu suco impuro,
Talvez me espera uma plantinha linda.

Vermes que sobre podridões refervem,
Plantinha que a raiz meus ossos fera,
Em vós minha alma e sentimento e corpo
Irão em partes agregar-se à terra.

E depois nada mais. Já não há tempo,
nem vida, nem sentir, nem dor, nem gosto.
Agora o nada — esse real tão belo
Só nas terrenas vísceras deposto.

Facho que a morte ao lumiar apaga,
Foi essa alma fatal que nos aterra.
Consciência, razão, que nos afligem,
Deram em nada ao baquear em terra.

Única idéia mais real dos homens,
Morte feliz — eu quero-te comigo,
Leva-me à região da paz horrenda,
Leva-me ao nada, leva-me contigo.

Também desta vida à campa
Não transporto uma saudade.
Cerro meus olhos contente
Sem um ai de ansiedade.

E como um autômato infante
Que ainda não sabe mentir,
Ao pé da morte querida
Hei de insensato sorrir.

Por minha face sinistra
Meu pranto não correrá.
Em meus olhos moribundos
Terrores ninguém lerá.

Não achei na terra amores
Que merecessem os meus.
Não tenho um ente no mundo
A quem diga o meu - adeus.

Não posso da vida à campa
Transportar uma saudade.
Cerro meus olhos contente
Sem um ai de ansiedade.

Por isso, ó morte, eu amo-te e não temo:
Por isso, ó morte, eu quero-te comigo.
Leva-me à região da paz horrenda,
Leva-me ao nada, leva-me contigo.
Junqueira Freire







Amor e Vinho 


 Cantemos o amor e o vinho,
As mulheres, o prazer;
A vida é sonho ligeiro
Gozemos até morrer
Tim, tim, tim
Gozemos até morrer

A ventura nessa vida
É sonho que pouco dura
Tudo fenece no mundo,
Na louça da sepultura
Tim, tim, tim
Na louça da sepultura
Não sou desses gênios duros,
Inimigos do prazer,
Que julgam que a humanidade
Só nasceu para morrer
Tim, tim, tim
Só nasceu para morrer
Fagundes Varela




Por Isabela Borges

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